Popularmente conhecida como “Festa de Cristo-Rei”, esta celebração é a mais recente dentre as quatro chamadas “Solenidades do Senhor”, que a Igreja celebra no Tempo Comum. Sua origem se deve ao papa Pio XI, o qual, na Encíclica “Quas primas”, de 11 de dezembro de 1925, “desenvolve a idéia de que um dos meios mais eficazes contra as forças destruidoras da época seria o reconhecimento da realeza de Cristo”, na restauração de todas as coisas, como reza então a Oração do Dia, na referência ao projeto de Deus. Sua instituição comemorou o 16º centenário do Primeiro Concílio de Niceia, no qual se proclamou a igualdade substancial entre Cristo e o Pai.
Inicialmente foi fixado o último domingo de outubro para a sua celebração, tendo em vista a proximidade da Solenidade de Todos os Santos, “a fim de que se proclamasse abertamente a glória daquele que triunfa em todos os santos e eleitos”. Porém, com a reforma litúrgica do Vaticano II, sua celebração passou para o 34º domingo do Tempo Comum, último domingo então do Ano Litúrgico, com os textos da Liturgia, tanto bíblicos como eucológicos, fortemente voltados para o sentido escatológico e da realeza de Cristo.
O sentido da criação e da restauração do mundo em Cristo (cf. Cl 1,15-20), que se consumou na sua Paixão, Morte e Ressurreição, com sua vitória definitiva sobre a morte (cf. 1Cor 15,26), sendo o Cordeiro imolado digno de receber a glória e o poder (cf. Ap 5,12), traz realmente a característica principal desta solenidade: Aquele que restaura o mundo, nele próprio criado e nele próprio subsistente, é aquele também que vai exercer sobre ele a sua realeza, e esta transcende a dimensão temporal e cósmica, isto é, os domínios de um mundo visível. A realeza, pois, que se celebra nesta solenidade é total, plena e celeste, exercida à direita do Pai (cf. At 7,56; Hb 1,3-4; Ap 22,1).
Saibamos também que a realeza de Cristo é aquela que se manifestou no sacrifício da cruz, com seu paradoxo, com sua “loucura” e com sua simplicidade redentora. Portanto, “supera de longe o modelo davídico”, embora seja, biblicamente, de sua linhagem. Escarnecido por espectadores (cf. Mt 27,39-44), insultado pelo ladrão impenitente (Lc 23,39) e por soldados da vassalagem imperial (Lc 22,63-65), reverenciado, porém, pelas santas mulheres, dentre elas sua própria Mãe, estimado por discípulos e amigos, mesmo trêmulos e distantes, eis o quadro doloroso da Cruz. Mas, saibamos: em sua soberana realeza, ele pôde livremente dar ao ladrão arrependido a dimensão mais profunda de seu poder e de sua misericórdia, afirmando: “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43), como vai concluir o evangelho da celebração do Ano C. E os Santos Padres comentam: se ele disse isto a um ladrão, certamente dirá o mesmo a cada cristão comprometido com o seu Reino.
Na verdade, “hoje”, ou seja, “agora”, para mim, para você, para todos, e não só para o ladrão arrependido, começa então de maneira viva, eficaz, definitiva e solene, o início da imortalidade, com nossa participação definitiva na realeza de Cristo, inseridos que fomos, pela graça batismal, no seu sacerdócio, graça que nos confere ainda a dimensão régia e profética para a nossa vida.
Na riqueza dos textos bíblicos, a Liturgia proclama que Cristo é a origem, o centro e o fim do universo criado, como também a sua consumação mais profunda, na medida em que o restaura e o entrega ao Pai (cf. 1Cor 15,24). O Rei da eterna realeza é então o mesmo, “ontem, hoje, e por todos os séculos” (cf. Hb 13,8), como também é “o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (cf. Ap 22,13).
É salutar para a nossa vida cristã saber que Cristo, no seu Mistério Pascal, fez de nós um reino de sacerdotes para Deus (Ap 5,10) e, ressuscitado, garantiu a nossa ressurreição, pois “Ele é o Senhor que destruirá também a morte como o último inimigo (cf. 1Cor 15,26). Assim a Igreja, unindo sua oração à riqueza da palavra bíblica, já no início da celebração vai permitir-nos rogar a Deus com o coração cheio de confiança: “...fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente”.
Podemos dizer que o Reino de Cristo é, pois, um reino que começa por dentro e que não se deixa corroer por forças exteriores, opostas a ele, ou não muito propensas a submeter-se a ele. É o reino da verdade, que dá testemunho da Verdade (cf. Jo 18,37), e não como os reinos deste mundo, que manipulam a verdade, fabricando-a a seu gosto, substituindo-a pela mentira, fazendo com que ambas (verdade e mentira) vistam a mesma roupagem e dando-lhes o mesmo conceito e o mesmo valor.
Diga-se mais, mesmo com a pobreza de nossas palavras: o Reino de Deus não é um reino de interesses mesquinhos, de vassalos e de escravos, mas um reino de amor, de servidores fiéis, cujo Senhor não se contenta com “servos”, mas que abre seu coração para a intimidade de “amigos” (cf. Jo 15,15) e de “irmãos” (cf. Jo 20,17). Nesse Reino, a sabedoria está oculta aos sábios, doutores e entendidos, mas revelada aos humildes e aos pequeninos (cf. Mt 11,25; Lc 10,21).
Finalmente, pode-se afirmar que esta celebração, colocada no fim do Ano Litúrgico, como que o coroa na glória do Cristo-Rei, no esplendor do Mistério Pascal, fazendo também ressoar em toda a Igreja e na vida de todos nós o caráter escatológico de toda a Liturgia e seu dinamismo santificador.
João de Araújo
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